segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Sincronicidade, de Marília Galvão

Há situações em nossas vidas que se entrelaçam. Aí perguntamos: o acaso existe? Ou há razões implícitas que desconhecemos? Carl Yung elaborou uma teoria - tudo no universo está interligado por um tipo de vibração e que as duas dimensões, física e não física, estão em algum tipo de sincronia. Assim, certos eventos isolados parecem repetidos, em perspectivas diferentes. Por isso, relato coincidências significativas que aconteceram comigo, nesse ano.  

1º de fevereiro de 2011:
Perdida na tarde 
Aquela tarde em Paris foi como nenhuma outra que tivesse vivido. Ao sair para a rua, senti o frio no rosto. Fechei o casaco. Coloquei as luvas. Olhei para os lados, parada na calçada. Nenhum plano. À esquerda? Enveredei pela direita, pura intuição. Segui por várias ruas de Montparnasse, 14e Arrondissement de Paris.Lembrei da lição do livro de francês : tout droit, à gauche, à droite. De qualquer ponto, a Tour de Montparnasse foi a referência : au Sud de la Tour, dans le côté Nord de la Tour, afinal, 210 m de altura se impõem.
Assim, fui caminhando por ruas, ruelas, becos, avenidas, pracinhas. De repente, me vi no passado. Fiz uma viagem no tempo, como na ficção, mas esta era real. Parei nos anos de glória do Quartier Montparnasse – os anos do período entre as duas guerras mundiais. Época em que Montparnasse competia com Montmartre – os dois centros artísticos efervescentes em Paris. Bares, teatros, cafés, ateliers e cabarés alimentavam a vida boêmia dos escritores, pintores, escultores. Pois é, e eu lá, nesse passé plus-que-parfait. Sozinha, conheci-descobri divers établissements. O que mais me chamou a atenção foi a quantidade de teatros, ainda em funcionamento, como o Bobino, o Montparnasse, o Gaité Montparnasse e le Petit Montparnasse. Andando pela Rue de Rennes, entrei em um café, para aquecer-me um pouco. - Bonjour, monsieur. Un déca, s’il vous plaît. Com novas energias, segui pela tarde. Entrei em uma loja de meias, só meias. Um casal de velhinhos me atendeu. Foram tão simpáticos, que saí de lá com diversos pares de meias. Sorte do meu marido. Em une épicerie, comprei vinhos. O rapaz que me atendeu engatou um papo. Ao satisfazer suas curiosidades, disse a ele: - Moi, je suis venue à Paris pour réaliser le rêve de connaître cette ville merveilleuse. Je lui ai dit aussi que je parlais un petit peu de français encore, mais, dans l’avenir, je le parlerai mieux. - Où vous étudiez ? Je lui ai répondu que j’etudiais à l’Alliance Française. – Oh! Vous parlez bien le français. Vous avez un très bon professeur. (Viu, só, Bárbara?) – Quel est votre pays? - Brésil ! - Ah! Brésil! Pelê! – Rrrrrrrriô! Como se isso não bastasse, na despedida ele falou em português : - Tchau. Obrigado. E eu : – Merci .Au revoir. Bonne journée. Disse tudo o que sabia. Continuei o passeio, agora com as meias e os vinhos. Reportada às décadas de 30 e 40, fui pisando conscientemente nas mesmas pedras das calçadas em que eles pisaram, eles, Henri Muller, Hemingway, Modigliani, Matisse, Chagall, André Breton, Picasso, F.Scott Fitzgerald. Escritores e poetas franceses juntamente com estrangeiros exilados de seus países fizeram história. Para completar minha tarde, caminhei pelo Boulevard de Montparnasse, avenida principal desse 14e arrondissement . La Coupole, la Rotonde, le Dôme et La Closerie des Lilás, os bares e restaurantes mais freqüentados por eles. Ainda hoje transmitem uma aura de magia e glamour. Outras emoções estariam por vir. Entrei em uma librairie. Personne! A não ser um jovem, lá no fundo. - Bonjour, monsieur. – Bonjour, madame. – Je voudrais les livres, s’il vous plaît, et choisir quelques-uns. – À volonté, madame. Je vous em prie. Lentamente, passei meus dedos nas lombadas dos livros. De alguns li as apresentações. De outros eu senti o cheiro, o formato, o peso.E todos escritos em francês! Escolhi o romance Gatsby, de F. Scott Fitzgerald. Sim, aquele escritor que vivia por ali, em Montparnasse, amigo do Picasso, do Hemingway. Sua esposa , a Zelda (Fitzgerald) também era escritora, une femme terrible. Mas isto é outra história ... De volta ao aconchego do quarto aquecido, no fim dessa tarde, abri o livro e escrevi, na primeira página:

Paris, le 1er février 2011.
Marilia

Abril de 2011 –
Li e recomendo dois livros fabulosos – do mesmo autor William Wiser – Os Anos Loucos - Paris na Década de 20 - e Os Anos Sombrios – Paris na Década de 30. Excelente leitura que mostra toda a ebulição cultural da época, dos grandes nomes que surgiram na literatura, pintura, escultura, e também as histórias de suas vidas. William Wiser tece uma crônica social de Paris e seus famosos exilados, casos amorosos, escândalos, suicídios, moda, perfume, política.

Junho de 2011 –
Paris é uma festa – de Ernest Hemingway, um livro intimista, diferente dos outros que ele escreveu. Faz uma viagem sentimental à década de vinte, quando o mundo se abria diante dele e seus companheiros eram a gente anônima das ruas e gente famosa como James Joyce, Gertrude Stein, Ezra Pound e F.Scott Fitzgerald. Ótimo complemento para a leitura dos livros de Wiser.

Setembro de 2011 –
Para fechar o ciclo de acontecimentos “tudo a ver”, assisti ao filme Meia Noite em Paris, de Woody Allen em que o alter-ego dele percorre a Paris de 1920 e 1930. Sempre à meia noite pegava carona de alguém, de Scott e Zelda Fitzgerald, de Hemingway, ou encontrava-se com Picasso, Dalí, Gertrude Stein, Matisse...

Novembro de 2011 -
Comprovo, assim, a teoria de Yung – a sincronicidade existe. Pena que nem sempre estamos atentos aos sinais.

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