terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Traição Platônica, de Marília Galvão

                Ela fora à capital para um Congresso.
               Na primeira manhã, ao acordar, observou algo, um detalhe, o qual se tornaria objeto de curiosidade, indagações e pensamentos nos próximos dias.    
                Ao abrir a janela, para verificar o tempo, constatou o paredão de fundos de um edifício residencial em divisa com o hotel. O olhar vagou e fixou-se em um ponto quatro andares abaixo. Uma janela sem cortinas. No interior, parte de um quarto, o armário, uma tevê e, na cama, até aonde o campo de visão permitia, o tal detalhe que a intrigara : uma perna masculina descoberta até o joelho. Aquilo despertara em sua mente algo indefinido. Pensaria depois no que sentiu. Foi tomar o café da manhã. Teria um dia de palestras.
                Na volta do café, mais uma olhadinha. Ele mudara de posição. O sol agora atingia a cama e a perna. Começaram as conjeturas: o sol não o incomoda ?- por que dorme até tarde ?  Hum! A perna e o pé são bem formados, quanto ao resto, deve haver uma harmonia. Os cabelos podem ser castanhos. E os olhos?
              À noite, ao retornar ao hotel, foi espiar pela janela, com a luz apagada, cautelosa. Não queria ser descoberta. Enquanto segredo o encanto perduraria. Desta vez as duas pernas estavam visíveis, com os pés cruzados, na penumbra da tevê. Ele assistia a um concerto, uma orquestra. Do que mais ele gosta? O que ele faz?
             Nos dias seguintes, a observação tornou-se um ritual. Chegou a discutir consigo mesma sobre a posição do quarto dele, se norte, ou sul. Até foi à rua para esclarecer essa dúvida. A imaginação precisava de informações. Constatou que o quarto do “rapaz ?” ficava a leste, lógico, o sol entrava por aquela janela indiscreta nas  manhãs.
             Algumas das suposições tornaram-se certezas. Morava só. Gostava de assistir tevê. Um laptop aparecia aos pés da cama. Era organizado. Durante o dia a cama ficava arrumada e não havia coisas espalhadas pelo quarto. O que vestia para dormir? Só dava para ver as pernas. Cuecas? Talvez um pijama curto. Ou...nada. Teria algum amor? Seria daqueles que só querem transar ou um dos que gostam de romance?
             Um dia, bateu umas fotos daquela perna. Refletiu sobre isso, por que a visão de uma perna de homem  mexera tanto com ela, e o que faria com essa nova consciência despertada?    
             Em seus devaneios, muitas questões ficaram sem resposta.. Uma coisa era certa, ela havia mudado. 
             Mas, como tudo passa na vida, o Congresso também chegou ao fim. No último dia, não vira mais a perna dele.Por certo, ele nunca saberá do arrebatamento que provocou em uma desconhecida. 
             Na volta, o marido lhe diz:
             - Querida, tirei o chip e mandei revelar as fotos do Congresso.
             - Oh!Meu Deus! Será que deletei as fotos da perna?

Obs;: Crônica vencedora do Concurso Interno da Academia Caxiense de Letras 2011.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Subject: HOMENAGEM À DANIELLE MITTERRAND por ADOLFO PÉREZ ESQUIVEL (PRÊMIO NOBEL DA PAZ), post de Ângela Broilo

     De tudo que passa pela Internet, existe o que deve ficar. Para saber o que, basta entender se está vindo
de alguém que vc respeita e se provoca ou não lágrimas ou risos em você. Este aqui cumpre com os conceitos que tenho. O que nada tem a ver com publicação no blog das Seis. Mas gostaria de dividir com minhas cinco amigas e com nossos amigos que, por vezes passam aqui, pelo conteúdo que trás. Além disso, chove lá fora. Minha cachorra ía passear e me olha quase chorando. Sei que conhece o odor da chuva e tem a noção exata do prazer adiado. Somos duas em lágrimas por motivos diferentes. Ou talvez... não tão diferentes assim. É isso.

Subject.: Que mulher linda ela era!

Meus Amigos:
Com Carinho envio esta Homenagem do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel à sua Amiga Danielle Mitterrrand.
Tenho Orgulho, Profunda Admiração por Danielle MITTERRAND, esta MULHER FRANCESA CORAJOSA, AUTÊNTICA, INTELIGENTÍSSIMA, DIGNA, TRABALHADEIRA, , GENEROSA INDOMÁVEL, INCORRUPTÍVEL, AMOROSA, REALISADORA DE SONHOS AMBICIOSOS E BENÉFICOS PARA A HUMANIDADE, . “Nascida Danielle Gouze, em 29 de outubro de 1924, em Verdun (perto da fronteira com a Alemanha), ela foi politicamente ativa desde a juventude, e aos 17 anos aderiu à Resistência antinazista, onde conheceu François Mitterrand”.
Abraço Franco-mineiro e Cuidadoso, Aléssia DUCASSE.
À querida amiga Danielle Mitterrand. 
Mensagem de Adolfo Pérez Esquivel – 26/11/2011
Morreu nesta semana semana,  
Danielle Mitterrand,
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhERbVOAl12SSmk4JSKC9WcEB1xfbjpEw60wNNpkPAhkieXVG0oDzL4_qMEl_5CDAGYNapW3hxJ1aO-di9C9pAyiYpAkamzaxmd0Oiio41xvAwX5BlJBXQJ0CQuxvOa8UimxZy2xHOmFM22/s400/DM.jpgreconhecida internacionalmente pelo seu trabalho de militante de esquerda, pela defesa dos povos do terceiro mundo e campanhas internacionais, entre outras, como o direito à água como um bem público. (Também era Médica Humanitária).
Nascida Danielle Gouze, em 29 de outubro de 1924, em Verdun (perto da fronteira com a Alemanha), ela foi politicamente ativa desde a juventude, e aos 17 anos aderiu à Resistência antinazista, onde conheceu François Mitterrand.
O argentino Adolfo Pérez Esquivel
, prêmio Nobel da Paz, um dos muitos amigos de Danielle Mitterrand, lhe dedicou uma mensagem.
Eis a mensagem.
À querida amiga Danielle Mitterrand: Militante da Vida
Decidiste partir para outros horizontes em vez de ficar junto ao povo com sua solidariedade e o seu apoio incansável, lutando pelas causas justas nos caminhos da libertação.
Forjaste espaços solidários através da France-Libertès, que completou 25 anos, que iluminou e encorajou grupos e movimentos sociais que encontraram em tua pessoa afeto e fraternidade para continuar tecendo a tela da esperança, firme e solidária na luta contra os totalitarismos e as ditaduras militares que sofremos na América Latina e em outras partes do mundo.
Encontramos-te nos caminhos acompanhando e reivindicando os direitos dos povos como os curdos, os sauris, na Ásia, entre outros.
Tua experiência de vida te levou à resistência contra o nazismo e à luta pela libertação da França, no qual foi temperando o seu espírito e o desejo de liberdade.
Lembro dos encontros em Paris e de sua permanente preocupação e solidariedade com as crianças do mundo e conseguimos assim construir a Aldeia de Jovens para a Paz na Argentina. Tivemos a alegria de sua presença e a partilha de momentos maravilhosos. Vimos a realização de uma obra da qual foste iniciadora, com sonhos que hoje são realidade.
Teu compromisso com a Verdade e a Justiça te levou à Ex-ESMA – Escola Mecânica da Armada, por onde passaram milhares de compatriotas prisioneiros, torturados, sequestrados e desaparecidos na Argentina, crianças também sequestradas e desaparecidas, lugar de onde levavam os prisioneiros para os voos da morte.
Esteve conosco acompanhando a dor e a resistência de um povo. 
Acompanhou-nos no caminho percorrido pela atual presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner.
Quando te perguntamos se estavas cansada, tua reposta foi, “estou reservando energias para continuar”. Tua permanente preocupação com o meio ambiente, a democratização da terra e dos recursos e bens da humanidade, como a água que deve ser preservada da ambição dos poderosos e defendido como um direito vital para a vida planetária, essa luta foi um dos grandes temas de sua vida, que devemos continuar defendendo.
Quantas lembranças e memórias partilhadas nessa caminhada da vida! Tinha capacidade de cruzar fronteiras e abraçar irmãos e irmãs na luta para derrubar os muros da intolerância, da opressão e reivindicar os direitos de todos e de todas, superar os individualismos e pensar em todos nós, sem interesses, com essa grandeza de espírito e de consciência crítica e de valores.
Querida Danielle, não lhe dizemos adeus porque sabemos que “está recuperando energias para continuar o caminho”, e onde quer que se encontre lhe damos um forte abraço.
Adolfo Pérez Esquivel
Buenos Aires, 22 de novembre de 2011


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Listas de Natal, por Angela Broilo

Listas, listas, listas
Natal
Fosse apenas comemoração... Ah!
Uma vez ouvi: tudo que é bom dá trabalho.
Tem certa sabedoria nisso.
Listar no lugar comum das frases sábias.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Monstro, por Ângela Broilo


É o monstro. Ele me esmaga. Que sei eu se é novela ou romance. Estava mal acabado e engavetado a sete chaves, embaixo das revistas de artesanato. Não queria mais vê-lo. Arrastava minha nova narrativa, o plano pronto, vários capítulos bons. E o monstro eram cócegas malditas apenas marcando presença, avisando estou aqui.  Abominável o que fiz com ele no final. Quis transformá-lo no que não era. Ao longo do tempo em que permanecemos juntos, ele me esmagava, me envergonhou, me assustou. Pela primeira vez, eu escrevia sobre um personagem que não era eu e precisava, como um ator, buscar subsídios de maldade no fundo de mim. O início sim, surgiu em um dia de muita raiva. Então por que já estava ali, fiz um um plano fraquinho. O objetivo era apresentar dois romances para passar numa oficina muito concorrida. Sabia que era mal lapidado, meio trash, de qualquer forma fui em frente, amparada por outros dois livros de boa qualidade. Quanto ao monstro, um persogenagem sem mestria alguma. De forma que não sei como, ele passou a viver dentro de mim, o maldito. Hoje, com tempo para pensar e escrevendo o novo romance, ele aparece e me apavora em momentos sãos. Conclusão: preciso refazê-lo, terminá-lo, livrar-me dele. Fazê-lo ser quem é. Com todas as minhas forças. Senão continuará a me assombrar, a sabotar todos os outros romances que tento escrever. Porque ele é o pior homem do mundo e hoje toma conta dos meus sonhos, da minha vida. Ainda por cima está inscrito no ISBN. As formalidades causam-me mal estar. Ele sabe disso. É um personagem maldito. Pensei em visitar o hospitar psiquiátrico forense outra vez. Mas com que objetivo? Fugir? Preciso dar fim ao que comecei. A paz virá depois que ele tiver seu final. Um final verdadeiro. Posso fazer pesquisa sem sair de casa. O maior problema é também o final que o envergonha, e que coloquei lá para tentar livrar-me daquela companhia horrenda que viveu comigo por apenas dois meses e quase esmagou minha sanidade.
Agora é para valer. Não quero mais você aqui. Para isso, preciso aceitar que criei esse personagem e dar-lhe um fim digno dele. Respeitoso. Ao menos isso, ele merece. Eu mereço também. Vamos trabalhar juntos, talvez enlouquecer juntos, pelo tempo que for necessário. Depois, não quero vê-lo nunca mais.  

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O paraíso vive dentro dela, por Ângela Broilo


           Com o tempo, e não sendo um humano inchado em  pré- conceitos, você conhece pessoas de todas as classes sociais. Sentir-se bem é ser você mesmo e respeitar o costume de cada um. Há pouco tempo, conheci uma pessoa exceção em meio a tanta gente que já visitei: a pessoa que pensa e diz sua casa como um paraíso. Isso é uma tal raridade no mundo atual que essa mulher só pode ter a espontaneidade de um anjo. Ela não percebe. Não é a casa, por mais bela que seja. O paraíso está dentro dela.
A constatação de residir no lugar das delícias a torna uma raridade. O humano médio cria necessidades desnecessárias o tempo inteiro. Faz-se infeliz de alguma forma. Não seja pela ausência de bens materiais, inferniza-se pela falta de beleza física, muitas vezes vista apenas no próprio espelho. Ou encontra problemas nos filhos que não são perfeitos, culpa-se por trabalhar e não dar atenção à prole, sofre pela morte do animal de estimação, ou sofre porque não o tem, ou pela falta de determinada obra de arte, fica de mau-humor pela falta de determinada roupa na hora da festa, os serviçais não servem como deveriam, nada aproveitam do paraíso porque é inseguro, vem o medo dos delinquentes, desconfiam da fidelidade do cônjuge, não lhe agradam a nora, o genro. O que é tudo isso?
Existe uma mulher que sabe: moro no paraíso, apesar de ser humana. Vou aproveitar para passar o verão na cidade.
É tão lindo isso que começo a comparar com outras casas que já conheci, outras vidas... Vejo seguranças com armas a proteger obras de arte. Vejo mulheres moças residindo em paraísos necessitando de medicamentos para depressão porque nada importa da vida, nem a beleza que lhes serve de casca as interessam mais, vejo acompanhantes dessas mulheres ajudando-as a cuidar da casca para que não percam aquilo que pensam interessar ao cônjuge, sinto compaixão por elas, pelo avião que as leva para todo lugar e elas nada sentem, só aquele vazio de existir e o sorriso branco de laser que a muito custo anuncia sua presença: é o que se espera delas, um sorriso, o silêncio, a graça no caminhar, a não interferência. Mulheres zumbi. Mas por que não podem se divertir no caminho? Minha amiga não consegue. Ela faz terapia e permanece linda e lê. Tem um filho pelo qual não se interessa e muita culpa por não se interessar. Me escreve emails enormes, culpados, pensando na morte. Não se mata por causa do filho para o qual não para o qual não consegue dar a menor importância.
Outra é uma senhora que tem um Picasso em casa. E depressão. Entre o Picasso e a depressão e a depressão e o Picasso, tem horas de súbita alegria. É bipolar. O marido, empresário, é apaixonado por ela. Não sabe o que fazer para agradá-la quando está triste. O Picasso foi uma tentativa. Ela soube agradecer devidamente um mês depois, para surpresa do marido. Aquelas alturas, ele dizia aos amigos, com humor, que era casado com duas mulheres, a santa e a diaba. Ninguém entendia. Dia desses, ela me explicou. Quando está triste, quer muito sexo. O marido até se preocupa com a tristeza. Mas gosta de muito sexo. Quando está feliz, quer muita festa, o marido adora festas. Então, o casamento vai bem. Ela vive naquele sobe e desce, entre felicidade e infelicidade vazias, e o companheiro adora suas duas mulheres. Só que ele não sabe... ela está perdida... perdida... numa casa divina e uma vida infernal.   

MARIA, por Helena Dossin


Se não me quiseres
Pelo meu nome
Queira-me por Maria
Não importa
Maria das Marias
Dos prazeres
E das dores
Finjo-me virgem
Finjo-me orgasmo
Te enlaço na teia
Te faço meu escravo
Se te imobilizo no meu olho
Se te perdes no labirinto
Te transformo no mito
Não importa
Não resolvas
É uma charada
Procura
Daqui vejo
O quanto te perdes
Na fraqueza
Arremedo de homem
Te levanta
Grita o teu nome
Alto
Não importa
Não é o que parece
Mais alto
Agora sussurra
Me chama de Maria
Não é o que parece
Não importa
Se parece que finjo
Maria das Marias
Das dores
E dos prazeres
Não resisto
Me entrego
A ti
A quem
Me chama de
Maria


2011

CRESPA, de Helena Dossin

Crespa
Ruiva
Nem tão magra
Tô nem aí se não tô na moda!


Para discutir na terapia:

Pô! O que há de errado comigo?
Não consegui me viciar em café nem em vinho!