quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O paraíso vive dentro dela, por Ângela Broilo


           Com o tempo, e não sendo um humano inchado em  pré- conceitos, você conhece pessoas de todas as classes sociais. Sentir-se bem é ser você mesmo e respeitar o costume de cada um. Há pouco tempo, conheci uma pessoa exceção em meio a tanta gente que já visitei: a pessoa que pensa e diz sua casa como um paraíso. Isso é uma tal raridade no mundo atual que essa mulher só pode ter a espontaneidade de um anjo. Ela não percebe. Não é a casa, por mais bela que seja. O paraíso está dentro dela.
A constatação de residir no lugar das delícias a torna uma raridade. O humano médio cria necessidades desnecessárias o tempo inteiro. Faz-se infeliz de alguma forma. Não seja pela ausência de bens materiais, inferniza-se pela falta de beleza física, muitas vezes vista apenas no próprio espelho. Ou encontra problemas nos filhos que não são perfeitos, culpa-se por trabalhar e não dar atenção à prole, sofre pela morte do animal de estimação, ou sofre porque não o tem, ou pela falta de determinada obra de arte, fica de mau-humor pela falta de determinada roupa na hora da festa, os serviçais não servem como deveriam, nada aproveitam do paraíso porque é inseguro, vem o medo dos delinquentes, desconfiam da fidelidade do cônjuge, não lhe agradam a nora, o genro. O que é tudo isso?
Existe uma mulher que sabe: moro no paraíso, apesar de ser humana. Vou aproveitar para passar o verão na cidade.
É tão lindo isso que começo a comparar com outras casas que já conheci, outras vidas... Vejo seguranças com armas a proteger obras de arte. Vejo mulheres moças residindo em paraísos necessitando de medicamentos para depressão porque nada importa da vida, nem a beleza que lhes serve de casca as interessam mais, vejo acompanhantes dessas mulheres ajudando-as a cuidar da casca para que não percam aquilo que pensam interessar ao cônjuge, sinto compaixão por elas, pelo avião que as leva para todo lugar e elas nada sentem, só aquele vazio de existir e o sorriso branco de laser que a muito custo anuncia sua presença: é o que se espera delas, um sorriso, o silêncio, a graça no caminhar, a não interferência. Mulheres zumbi. Mas por que não podem se divertir no caminho? Minha amiga não consegue. Ela faz terapia e permanece linda e lê. Tem um filho pelo qual não se interessa e muita culpa por não se interessar. Me escreve emails enormes, culpados, pensando na morte. Não se mata por causa do filho para o qual não para o qual não consegue dar a menor importância.
Outra é uma senhora que tem um Picasso em casa. E depressão. Entre o Picasso e a depressão e a depressão e o Picasso, tem horas de súbita alegria. É bipolar. O marido, empresário, é apaixonado por ela. Não sabe o que fazer para agradá-la quando está triste. O Picasso foi uma tentativa. Ela soube agradecer devidamente um mês depois, para surpresa do marido. Aquelas alturas, ele dizia aos amigos, com humor, que era casado com duas mulheres, a santa e a diaba. Ninguém entendia. Dia desses, ela me explicou. Quando está triste, quer muito sexo. O marido até se preocupa com a tristeza. Mas gosta de muito sexo. Quando está feliz, quer muita festa, o marido adora festas. Então, o casamento vai bem. Ela vive naquele sobe e desce, entre felicidade e infelicidade vazias, e o companheiro adora suas duas mulheres. Só que ele não sabe... ela está perdida... perdida... numa casa divina e uma vida infernal.   

Um comentário:

  1. ...e quantas não tem Van Goghs, Monets, Picassos em casa...

    Comecei a ler Hiperestesia, e estou gostando muito.

    Beijos.
    p.s. Temos que nos encontrar uma hora dessas, para trocar palavras, ou apenas silêncios.

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