Ela fora à capital para um
Congresso.
Na primeira manhã, ao acordar,
observou algo, um detalhe, o qual se tornaria objeto de curiosidade, indagações
e pensamentos nos próximos dias.
Ao abrir a janela, para verificar
o tempo, constatou o paredão de fundos de um edifício residencial em divisa com
o hotel. O olhar vagou e fixou-se em um ponto quatro andares abaixo. Uma janela
sem cortinas. No interior, parte de um quarto, o armário, uma tevê e, na cama,
até aonde o campo de visão permitia, o tal detalhe que a intrigara : uma perna
masculina descoberta até o joelho. Aquilo despertara em sua mente algo
indefinido. Pensaria depois no que sentiu. Foi tomar o café da manhã. Teria um dia
de palestras.
Na volta do café, mais uma
olhadinha. Ele mudara de posição. O sol agora atingia a cama e a perna.
Começaram as conjeturas: o sol não o incomoda ?- por que dorme até tarde ? Hum! A perna e o pé são bem formados, quanto
ao resto, deve haver uma harmonia. Os cabelos podem ser castanhos. E os olhos?
À noite, ao retornar ao hotel, foi
espiar pela janela, com a luz apagada, cautelosa. Não queria ser descoberta.
Enquanto segredo o encanto perduraria. Desta vez as duas pernas estavam
visíveis, com os pés cruzados, na penumbra da tevê. Ele assistia a um concerto,
uma orquestra. Do que mais ele gosta? O que ele faz?
Nos dias seguintes, a observação
tornou-se um ritual. Chegou a discutir consigo mesma sobre a posição do quarto
dele, se norte, ou sul. Até foi à rua para esclarecer essa dúvida. A imaginação
precisava de informações. Constatou que o quarto do “rapaz ?” ficava a leste, lógico,
o sol entrava por aquela janela indiscreta nas
manhãs.
Algumas
das suposições tornaram-se certezas. Morava só. Gostava de assistir tevê. Um
laptop aparecia aos pés da cama. Era organizado. Durante o dia a cama ficava
arrumada e não havia coisas espalhadas pelo quarto. O que vestia para dormir?
Só dava para ver as pernas. Cuecas? Talvez um pijama curto. Ou...nada. Teria
algum amor? Seria daqueles que só querem transar ou um dos que gostam de
romance?
Um dia, bateu umas fotos daquela
perna. Refletiu sobre isso, por que a visão de uma perna de homem mexera tanto com ela, e o que faria com essa
nova consciência despertada?
Em seus devaneios, muitas questões
ficaram sem resposta.. Uma coisa era certa, ela havia mudado.
Mas, como tudo passa na vida, o Congresso também
chegou ao fim. No último dia, não vira mais a perna dele.Por certo, ele nunca
saberá do arrebatamento que provocou em uma desconhecida.
Na volta, o marido lhe diz:
- Querida, tirei o chip e mandei
revelar as fotos do Congresso.
- Oh!Meu Deus! Será que deletei as
fotos da perna?
Obs;: Crônica vencedora do Concurso Interno da Academia Caxiense de Letras 2011.
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