Mas quem cuidava da cozinha eram as empregadas e duas delas fizeram a mesma confusão. Já que meu pai “metia-se com as panelas” fim-de-semana (homem nenhum, como hoje, ganhava apelido de chef naquele tempo, só de chato). As empregadas residiam na casa e, ao menos as de minha mãe, não gostavam nada quando, ao invés da dona da casa, como seria conveniente, viam um homem assumir seu espaço tão bem cuidado junto ao fogão. Acredito que, por isso, fui encontrar o “Banquete de Platão”, duas vezes muito bem armazenado entre os livros de culinária. As moças deviam pensar que era livro de papai e guardavam no “devido” lugar.
Para não ter que explicar Platão a essas moças que, quase nem completavam o ensino primário, minha mãe deixava o Platão por lá. Ela, acredito eu, mesmo com formação em filosofia, tinha dois filhos pequenos e, trabalhando manhã e tarde, aprazia-lhe muito mais o contato com os filhos e o marido que explicar Platão às suas ajudantes de casa. Então, enquanto a moça morava lá, o pobre filósofo dormia na cozinha, separado de seus pares. Penso que Epicuro não se importaria em permanecer ali, naquele ambiente cheio de aromas, sabores... ele que só jantava pão, água e queijo. Mas Platão? Enfim... os banquetes de sua vida o fariam sentir falta de estar no lugar correto, entre os outros filósofos. Ía querer ver no que deu tantas discussões filosóficas séculos depois de sua partida. Não que Epicuro não quisesse, mas sofreria menos que Platão, isso sem dúvida...